Todo mundo anda falando do acidente da Air France, então emitirei algumas bolhas sobre isso também, mas não espere que eu vá falar sobre destroços do avião, vítimas ou o fenômeno meteorológico que causou o acidente (embora sobre este último eu tenha boas condições para soprar, inclusive, algumas teorias de algumas pessoas, mas isso fica pra qualquer outro dia em que eu esteja me sentindo mais dedicada a profissão). Até porque, não tenho acompanhado o caso de perto, não assisto muito televisão - o sinal é péssimo embaixo d'água - e a internet me leva a outros caminhos.
Talvez você esteja pensando, então, porque eu resolvi escrever sobre esse acidente. É uma boa pergunta. Nem ia mesmo falar sobre isso, ia postar umas bolhas discordantes de algumas idéias da Hannah Arendt, posto outro dia. Acontece que me peguei pensando nos comentários que tenho ouvido muitas pessoas fazerem sobre o avião.
"Mas e a caixa preta? Não tem uma máquina que é pra essas situações? Não é possível que com essa tecnologia eles não consigam encontrar o avião! (...)" Taxista que não me deixava ouvir a notícia no rádio pois falava muito alto. Preferi deixar de fora o negativismo dele, já que isso oi dito quando não havia sido encontrado nenhum pedaço e os mais esperançosos podiam pensar que algo misterioso havia ocorrido e seus queridos estavam vivos em algum lugar desconhecido.
"(...) Eu não entendo como que com a tecnologia de hoje uma coisa dessas acontece... O avião todo eletroônico... voava sozinho, tecnologia avançada mesmo. Não dá pra entender... (...)" Rapaz que perdeu um professor no acidente.
Bem, ouvi outros é claro, mas esses dois são suficientes. Reparou o que há em comum? Tecnologia. Entendeu? Vim falar sobre a pretensão dos homens. Pretensão de que com sua tecnologia podem superar a natureza.
Dentre todas as criaturas da Terra, o acaso da evolução (ou Deus, para quem preferir, não interessa) agraciou o Homo sapiens com um cérebro desenvolvido e um polegar opositor. Esses dois elementos combinados possibilitaram ao ser humano aproveitar grande parte do seu potencial, a habilidade de concretizar as idéias do cérebro com as mãos o levou longe. Ao espaço, ao fundo do mar... não duvido que qualquer dia desses chegue ao núcleo do planeta. Muito bem. Bravo! Nenhuma outra espécie foi capaz de fazer nenhuma dessas coisas. Nenhuma outra espécie foi capaz de transformar matérias primas, construir cidades, produzir alimento em larga escala e ter tempo livre para desenvolver mais ainda as faculdades mentais.
A questão é: todo esse aproveitamento afastou o ser humano da natureza. E não estou falando simplesmente da falta de verde nas cidades ou preservação do meio ambiente ou do fato de que muitas vezes o contato mais próximo que uma criança tem com qualquer animal é no zoológico ou com um cachorro totalmente desprovido de sua cachorridade. Estou me referindo ao fato de que a raça humana esqueceu de como respeitar a natureza no sentido de temer.
Seus edifícios cheios de para-raios, seus enormes reservatórios de água e barragens e suas parafernalhas metálicas os deixaram mal acostumados com uma falsa idéia de segurança total. Então basta um acomodamento natural de placas tectônicas causar uma onda gigante capaz de devastar ilhas inteiras, ou um furacão arrasar uma cidade e destruir a economia local, ou um avião se deparar com uma combinação perigosa de nuvens, e a frágil "impenetrabilidade" humana é revelada.
O Homo sapiens não só se esqueceu do poder do planeta como também passou a pensar que pode superá-lo.
Imitando outras espécies, mergulharam e voaram, mas em vez de seguir o exemplo sábio daqueles animais que nasceram com essas habilidades, não respeitaram o poder destruidor que a Terra é capaz de mostrar.
É bem verdade que a raça dos homens se tornou poderosíssima. Conseguiu extinguir outras espécies, se tornar o único predador dos maiores predadores selvagens, no curto espaço de tempo de alguns milênios desde que surgiu num planeta com 4,5 bilhões de anos modificou e destruiu muitas coisas - foi inclusive capaz de retirar do Planeta parte de sua matéria que estava presente desde sua criação e estava sendo transformada muito antes de o fogo ser descoberto por um certo grupo de primatas sem pêlo, e manda-la para fronteiras distantes. No entanto, o homem ainda não passa de uma espécie frágil que, se retirada de seu habitat confortável das cidades não dura muito em ambientes hostis.
Entendam, o homem não pode superar a Terra. Uma erupção vulcânica pode mandar um estado inteiro pelos ares. Um terremoto e uma tsunami podem varrer uma civilização de um planeta. E não precisamos chegar a estes exemplos catastróficos, porque muitas vezes os fenômenos naturais nem precisam agir. A falha humana faz o trabalho.
Não importa o quão avançada seja a nossa tecnologia, tudo que provém de um ser que possa falhar será passível de falha também. Somando isso ao fato de que um grande pássaro de ferro é um nada para uma CB, um avião pode sim cair independente de quão eletrônico seja seu sistema.
Vejam bem, não estou dizendo que não devemos voar ou mergulhar ou conhecer outros mundos. Acho, inclusive, que devemos aproveitar todo o potencial que nos foi dado. Pesquisar, refletir, tentar, se arriscar, se aventurar... está tudo na natureza humana e isso é perfeitamente compreensível. Estou dizendo apenas que tudo isso deve ser feito com o devido respeito. E que ninguém deveria se surpreender com acidentes como esse.
A natureza sempre segue seu curso, não importa o quão modificado o planeta esteja; e na natureza sempre ocorre a morte de diversos indivíduos de todas as espécies, algumas vezes uma espécie inteira é extinta (de modo natural, sem que encostemos o dedo)...
Em resumo, o que estou dizendo é: não se surpreendam com algo natural do mundo, não se surpreendam com o fato de que o homem não é mais que uma espécie tão frágil quanto qualquer outra.
(poderia inclusive discorrer sobre como o ser humano é a mais frágil das espécies, com provas evolutivas, mas isso fica para outro dia)
E é isso. Agora algumas linhas de silêncio, como uma forma simples e rude de luto pelas pessoas presentes no vôo 447 Rio-Paris.
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Se soa ofensivo a alguém, sinto muito. Não é minha intensão ofender aqueles que perderam pessoas queridas no acidente. O mundo é assim. Não devemos nos assustar com esse tipo de acontecimento.
That was one brutal bubble, Billy.